Hollywood e os Filmes de Natal

O Natal é uma data para passar tempo com amigos e familiares, para dar presentes e expressar agradecimentos e, claro, para refletir sobre a complexa relação entre a religião e a cultura.

O Natal é uma celebração originalmente cristã que, com o passar do tempo, recebeu novos significados e tornou-se uma festividade sem contorno religioso, para muitas pessoas.  A versão de Natal que temos hoje (ceia de Natal com a família, troca de presentes, casas enfeitadas, etc.) foi inspirada na cultura da família norte-americana, e tem sido disseminada mundo a fora pelos filmes de Hollywood.

A propagação da cultura americana através dos filmes tem sido tão eficaz que o Natal é celebrado em vários países, mesmo naqueles que não são considerados cristãos, como o Japão[1]. Nesse artigo vamos explorar brevemente como a indústria do cinema se apropriou da comemoração cristã do nascimento de Jesus e ressignificou o Natal, mas também veremos como muitos filmes natalinos ainda são influenciados pelos valores éticos e morais defendidos pelos cristãos.

O Natal na História

Inicialmente, os primeiros cristãos não davam tanta atenção ao Natal. A páscoa era o evento principal do calendário da igreja porque lembrava o sacrifício e a ressurreição de Jesus.

Na idade média as coisas mudaram. A Igreja Católica Romana conseguiu diluir muito dos ritos pagãos, que marcavam o auge do inverno, na observância cristã do Natal. Lentamente, o Natal começou a se tornar a data mais importante no ano cristão. Cânticos foram escritos especificamente para a celebração do dia, o presépio foi introduzido pela igreja da Itália, e por toda a Europa os templos utilizavam seus vitrais para representar artisticamente as cenas do nascimento de Jesus com os reis magos e pastores. Com a chegada e crescimento da Reforma Protestante, as festividades natalinas foram rejeitadas em vários países.

A maneira como o Natal é celebrado atualmente nasceu nos países de fala inglesa da Europa e foi transferida para a América do Norte no final do século 18, no auge da era vitoriana. Os vitorianos resgataram as festividades natalinas, mas com o objetivo de celebrar a família e a caridade. Essa é a cultura que inspirou o cinema e que continua influenciando o mundo atualmente.  

Os vitorianos resgataram as festividades natalinas, mas com o objetivo de celebrar a família e a caridade. Imagem: Shutterstock

Os Filmes de Natal e a Religião

A maioria dos filmes de Natal não são religiosos no sentido tradicional. Quase nunca há uma menção a Jesus ou ao cenário bíblico do seu nascimento.  Os filmes de Hollywood apresentam o Natal como uma realidade alternativa ou fictícia. Fadas, elfos, renas voadoras e o Papai Noel são os personagens de destaque na versão mágica e mística que Hollywood dissemina.

Hollywood tem substituído a história do Natal cristão por estórias de famílias disfuncionais, relacionamentos problemáticos e dilemas pessoais que precisam ser restaurados e superados. Em alguns filmes mais modernos o aspecto espiritual está totalmente ausente.  A “força transcendente” que os produtores dos filmes fazem os espectadores sentirem não se trata de Deus ou de outro ser supremo. Ao invés disso, esta força é mais secular: é o poder da família, o amor verdadeiro, o significado do lar ou a reconciliação dos relacionamentos.

Estes filmes criam mundos na tela que acendem emoções positivas enquanto oferecem algumas gargalhadas, mas ignoram o verdadeiro sentido do Natal. Um grande perigo nos filmes de Hollywood é a clara intenção de suprimir ou ressignificar os símbolos religiosos cristãos. Consequentemente, para milhares de pessoas o sentido atual do Natal não é o nascimento de Jesus. O Natal é apenas uma festa ou feriado em que o sentido pode ser qualquer um que a pessoa queira dar, independente de ser o religioso.

A Religião nos Filmes de Natal

A maioria dos clássicos natalinos têm elementos explicitamente cristãos.  Mesmo os que não citam a Bíblia, que não são religiosos ou que foram produzidos por ateus, tendem a compartilhar uma estrutura na estória que depende ou, no mínimo, sugere a influência de ensinos cristãos. Esse fato indica que as ideias cristãs permeiam a cultura ocidental, mesmo nos meios de comunicação que não fazem referências explícitas a narrativa bíblica.

As narrativas dos filmes de Natal são variadas. Elas podem abordar questões sobre família, superação, resiliência, reconciliação, amizade, amor, autoconfiança e perdão. Geralmente os finais são felizes e resultam em união e paz. Embora não haja nada exclusivamente cristão neste tipo de estória, ela ecoa temas frequentemente pregados pela igreja cristã.  

Existem filmes natalinos que podem ser interpretados como analogias aos ensinos de Cristo e de histórias do Novo Testamento. Em alguns, encontramos uma versão da mensagem cristã que desafia o “espírito do capitalismo”, que o que realmente importa não pode ser comprado, que as pessoas precisam de conversão para um modo de pensar mais orientado, e que este despertar é o resultado de um milagre de algum tipo, uma interrupção – muitas vezes sobrenatural – do mundo de trabalho do dia-a-dia.

Quando as pessoas veem alguma parte de suas próprias vidas se desdobrar na tela, isso as impressiona e as motiva a mudar o curso da vida. Tais filmes podem proporcionar consolo, reafirmação e, às vezes, até coragem para continuar vivendo através de situações difíceis. Esses filmes podem oferecer esperança em acreditar que tudo pode dar certo no final. Dessa forma, os filmes de Natal não são apenas uma fuga da realidade. Eles podem oferecer um vislumbre de como a vida poderia ser.

Os filmes de Natal têm uma habilidade especial de se conectar conosco porque a mensagem e os valores do Natal cristão são geralmente centrais para o conflito, drama ou enredo. Estes valores éticos e, algumas vezes, espirituais são essenciais para a vida individual, em família e em sociedade.  É dessa forma que os filmes natalinos de Hollywood recebem a impressão da cosmovisão cristã.         

Muitos filmes de Natal recebem uma forte influência dos conceitos cristãos. Imagem: ShutterStock

Conclusão

Os cristãos sentem alguma tristeza e preocupação quando veem os filmes natalinos sendo produzidos para outros fins que não o de exaltar o nascimento de Jesus e seu significado para a humanidade. Mas, quando observamos por outra perspectiva, percebemos que vários filmes de Natal transmitem símbolos e mensagens intrinsecamente cristãs para uma sociedade secularizada, materialista e que rejeita o evangelho bíblico apresentado de outras maneiras.

Infelizmente ou felizmente, nos produtos da indústria cinematográfica “há verdade, bondade e beleza; mas também mentira, maldade e feiura–uma amálgama de idolatria e graça”, como afirma Maroni (2020). Por um lado, os cristãos precisam ser críticos em relação a tudo o que há de errado na cultura, mas por outro lado, precisam manter-se acessíveis e atentos às novas oportunidades ‘multi-contextuais’ e plurais.

O conflito entre a religião e a cultura, entre a mensagem cristã e os interesses de Hollywood, parece não ter uma solução conciliatória. Hollywood seguirá com seus objetivos artísticos e econômicos, enquanto a igreja cristã continuará com sua missão de compartilhar as boas novas do Salvador. Mas, essa dicotomia não é um problema para o cristianismo. Há dois mil anos Jesus disse que o evangelho seria pregado a todo mundo (Mateus 24:14) e, até hoje, isso tem acontecido independente dos filmes de Natal de Hollywood.


Referências

7 Silent Christmas Movies (From The Horse-And-Buggy Era). https://silentology.wordpress.com/2016/12/21/7-silent-christmas-movies-from-the-horse-and-buggy-era/

https://www.usatoday.com/story/opinion/2018/12/06/hollywood-ruined-christmas-movie-genre-spiritual-lessons-moral-family-column/2141259002/

JOHNSON, R. Christmas Movies and the Religious Dimensions of Story Structure. 2019. Disponível em: https://divinity.uchicago.edu/sightings/articles/christmas-movies-and-religious-dimensions-story-structure

MARONI, B . Cristianismo e cultura pop (p. 30). Brasília, DF: Charpentier, 2020.

OLD SCROOGE (AKA: SCROOGE, A CHRISTMAS CAROL). 1913 SILENT FILM. https://www.youtube.com/watch?v=lWz5UvQrs8Q

PLATES, B. What makes Christmas movies so popular. 2019. https://theconversation.com/what-makes-christmas-movies-so-popular-127972

Reel Christmas. https://www.beliefnet.com/entertainment/movies/2004/12/reel-christmas.aspx

WHITELEY, S.  Christmas and the Movies: Frames of Mind. DOI:10.3366/edinburgh/9780748628087.003.0011

ZUKOWSKI, J. Hollywood, not the Grinch, ruined Christmas movies by replacing spiritual with mundane.  2018.


[1] Brian Moeran and Lise Skov, ‘Cinderella Christmas; Kitsch, Consumerism, and Youth in Japan’ in Daniel Miller (ed.), Unwrapping Christmas (Oxford: Clarendon Press, 1993), pp 105-33.

Christmas in Japan. https://www.whychristmas.com/cultures/japan.shtml

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