Jesus e os filmes

Parte 1. Jesus na era do cinema mudo

Jesus é um personagem sem igual. Sua história e ensinamentos atravessaram os séculos inspirando e transformando multidões. Nas últimas décadas, a vida de Jesus também vem sendo representada nos filmes. Às vezes, Ele aparece com um judeu amigável e gentil, outras vezes com um revolucionário. Por isso, nesse artigo procuro explorar o Jesus dos filmes e compara-lo com o Jesus da fé. Irei também analisar alguns dos principais filmes produzidos sobre Ele. Será uma jornada que continuará em outros artigos, mas começamos aqui com uma breve introdução de como analisar os filmes sobre Jesus e uma viagem na era do cinema mudo. Aproveite a experiência.

Introdução

Representar nos filmes um personagem como Jesus não é algo fácil por alguns motivos: (1) os evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) não revelam todos aspectos da sua vida e nem todo o contexto das histórias; (2) Jesus é respeitado por diversas ramificações religiosas que possuem diferentes compreensões sobre quem Ele foi. Quando os produtores dos filmes tentam preencher as lacunas do registro histórico, frequentemente criam desvios teológicos ou abordagens que ferem a crença de uma ou outra religião; (3) A interpretação individual da morte de Jesus pode gerar conflitos religiosos e políticos. Por exemplo, alguns filmes têm evitado culpar os judeus pela morte de Jesus. O sumo sacerdote Caifás e/ou o império romano são apontados como os responsáveis.  O objetivo é evitar que a reação do público possa ser negativa e xenofóbica.

Então, o dilema que todo filme sobre Jesus enfrenta é ser cinematograficamente interessante, literariamente sensível às fontes do evangelho, historicamente provável e teologicamente satisfatório.

Analisando os filmes sobre Jesus

Se você é cristão existem quatro dimensões para analisar qualquer filme sobre Jesus: o artístico, o literário, o histórico e o teológico.

Artístico. A forma visual como Jesus é retratado nos filmes é importante. Ela envolve toda a parte de cinematografia (luz, roteiro, edição, etc). Em alguns filmes Jesus é retratado como um cidadão do século atual, vestindo roupas modernas e etc. Filmes que usam o simbolismo para retratar Jesus são bem aceitos, mas podem gerar problema quando o personagem se assemelha com esteriótipos negativos para a cultura da sociedade.

Literário.  Como anteriormente exposto, os evangelhos têm informações limitadas e não completas sobre a história de Jesus, mas ainda assim os filmes precisam estar alinhados com o que sabemos sobre Ele. Se o filme não está em harmonia com o que é descrito na Bíblia, então ele certamente sofrerá a rejeição de grande parte da audiência cristã.

Histórico. Aqui geralmente ocorre o conflito entre o Jesus histórico e o Jesus da fé. Alguns filmes criam uma imagem fantasiosa de Jesus desconectada de qualquer realidade histórica. Essas representações são muitas vezes ofensivas a fé do espectador. No entanto, existem filmes que ignoraram a historicidade para fazerem uso da contextualização e esclarecer como seriam as coisas se Jesus vivesse hoje. Nesse caso, o filme costuma ser bem aceito quando está de acordo com a dimensão literária e teológica.

Teológico. Existem diversos filmes sobre Jesus que seguem rigorosamente todas as outras dimensões, mas falham no aspecto teológico. Por exemplo, em alguns filmes muito bem produzidos, Jesus aparece como uma pessoa boa ou um mestre sábio que viveu na Judeia séculos atrás, mas seu aspecto divino é ignorado. Ele é apenas um profeta ou celebridade histórica que deixou um grande legado moral para a humanidade.

Imagem: ShutterStock

Tipos de filmes sobre Jesus

Os filmes sobre Jesus seguem duas linhas principais: a trajetória da harmonização com o texto bíblico (ainda que parcialmente) ou a trajetória alternativa.  Por exemplo, Jesus de Nazaré (1977) é considerado por alguns teólogos como o filme mais coerente com a figura de Jesus apresentado nos evangelhos.  https://www.youtube.com/watch?v=50IiF1rTTGQ

Trajetória harmônica:Trajetória alternativa
From the Mange to the Cross (1912)Quo Vadis (1951)
King of Kings (1927)Ben Hur (1959)
Jesus de Nazaré (1977)Barrabás (1962)
A Paixão de Cristo (2006)  A última tentação de Cristo (1988)
Filho do homem (2006)

Primeiros filmes sobre Jesus

Acredita-se que o primeiro filme produzido sobre Jesus foi o “La Passion” em 1898. Possivelmente, esse filme francês foi o primeiro a relatar a vida de Jesus Cristo e provavelmente o primeiro filme cinematográfico baseado em qualquer parte da Bíblia.

Em 1898 foi lançado o “The Passion Play of Oberammergau”. Como muitos dos primeiros filmes, este também não está mais acessível. O filme foi descrito como sendo composto de doze cenas com um tempo de exibição de cinco minutos.

Cartaz do filme The Passion Play of Ober-Ammergau

From the Manger to the Cross (1912)

O filme foi produzido pela Kalem Company, uma das principais empresas de produção americanas da época. Ele foi filmado no Egito e Palestina, consequentemente uma produção bastante cara para seu tempo.

O filme desenvolve uma trajetória harmônica com a Bíblia e apresenta Jesus mais como o Leão da Tribo de Judá do que como o Cordeiro de Deus. Dá maior ênfase ao que Ele fez e não ao que disse, ou seja, destaca pouco os ensinos de Jesus

Esse foi o primeiro filme sobre Jesus lançado comercialmente em salas de cinema. Apesar de as igrejas nesse período serem fortes opositoras ao cinema, o filme quase não teve resistência e recebeu o apoio de católicos e protestantes. O filme também difere de outros da mesma época pela caracterização positiva das mulheres e reflete a mão da própria roteirista, Gene Gauntier.

O Coronel Henry Hadley, um notável evangelista metodista da época, viu o filme em Nova York e o adotou para uso em suas campanhas de pregação. Ele elogiou o filme, e o próprio meio, com estas palavras:

“Estas imagens vão ser uma grande força. É a era dos filmes…Estas imagens em movimento vão ser os melhores professores e os melhores pregadores da história do mundo. Marque minhas palavras, há duas coisas que estão por vir: a proibição e os filmes. Devemos fazer as pessoas pensarem de forma mais elevada.”

Intolerance (1916)

Nesse filme a história de Jesus aparece na forma de trajetória alternativa. Quatro histórias são contadas e intercaladas. Entre elas aparece a história de Jesus que recebe apenas 12 minutos de atenção. No entanto, o filme tenta fazer a audiência concluir que a intolerância não é algo novo, mas que acompanha a história da humanidade.

Em sua apresentação da história de Jesus, o diretor D.W. Griffith oferece um retrato muito tradicional de Jesus que não ofende a ninguém. Cada uma das sete sequências tem sua base em um conhecido texto dos evangelhos. Interpretada por Howard Gaye, a figura de Jesus age de forma a reforçar o que os espectadores esperariam na tela. Este retrato tradicional nasceu de uma considerável pesquisa e conselhos religiosos, assim como de um pouco de controvérsia.

No filme, Jesus é chamado o “inimigo da intolerância” e mostra que, mesmo dentro do contexto da história tradicional judaica, Ele se torna uma vítima da intolerância a que se opôs. Ele aparece como mártir, não como salvador. Ao usar a história judaica principalmente como nota de rodapé da história moderna, Griffith usa a história de Jesus – a mais conhecida de todas as histórias – para criticar o comportamento dos líderes espirituais em seus próprios dias. Para Griffith, as atitudes e o comportamento desses “fariseus modernos” e “hipócritas” continuam a vitimizar Jesus e o que Ele representava – a intolerância.

Após o lançamento, o filme recebeu várias críticas negativas. O fato de o filme representar 4 histórias que se alternavam durante o filme, confundiu parte do público, que, talvez não estivesse acostumado ao paralelismo e ao recorte de estórias. A produção do filme também custou muito caro, cerca de 1 milhão de dólares e que no final foi considerado um fracasso de bilheteria.

King of Kings (1927)

A representação de Jesus recebeu sua maior expressão durante a era do cinema mudo na produção épica de Cecil B. DeMille “King of Kings ou O Rei dos Reis” (1927). Este se tornou o filme de Jesus mais visto no mundo até a metade do século seguinte. Em sua autobiografia de 1959, publicada após sua morte, DeMille afirmou que seu filme contou a história de Jesus a mais pessoas que qualquer outro meio, exceto a própria Bíblia. Ele calculou que 800 milhões de espectadores tinham visto o filme e até mesmo citou o uso em igrejas católicas, protestantes e por missionários em outras regiões remotas do mundo.

Algumas notas de bastidores são interessantes sobre esse filme. DeMille fez uso de vários conselheiros religiosos para produzir o filme. Isso porque, durante essa época, nos Estados Unidos, existiam sérias restrições e normas legais quanto ao uso de temas religiosos nos filmes. Antes de iniciar a gravação, DeMille encorajava os cultos no set de filmagem que envolviam cristãos, judeus, muçulmanos e budistas. No contrato dos atores era exigido comportamento exemplar em suas vidas pessoais. O ator que representou Jesus se vestia em casa com os trajes do personagem e dirigia até ao local da gravação causando grande curiosidade e espanto nas ruas da cidade.

O King of Kings omite qualquer apresentação ou referência ao nascimento e à infância de Jesus como preservado em Mateus e Lucas. O filme também não menciona nenhuma relação entre Jesus e João Batista, ao contrário de todos os quatro evangelhos. Em vez disso, O Rei dos Reis retoma a história tradicional de Jesus depois que ele começou a chamar a atenção por causa de sua atividade de cura. Isto é certamente apropriado dentro deste cenário narrativo, pois aqui Jesus aparece preeminentemente como um consertador de pessoas – como um médico.

No entanto, esse produção também recebeu duras críticas dos religiosos. A cena de abertura do filme com Maria Madalena em uma festa foi considerada muito sensual e ofensiva para aqueles dias. O filme foi criticado por reinventar a história de Jesus e não seguir o relato bíblico.

Essa produção custou mais de 2 milhões de dólares, recebeu vários prêmios e foi bem recebida pelo público. O New York Times (20 de abril de 1927) descreveu a estreia nestes termos:

Tão reverente é o espírito da ambiciosa transcrição pictórica de Cecil B. DeMille da vida de Jesus de Nazaré, o Homem, que durante a exibição inicial no teatro Gaiety na última segunda-feira à noite, dificilmente uma palavra sussurrada foi proferida entre a plateia. Esta produção é intitulada O Rei dos Reis e é, de fato, o mais impressionante de todos os filmes cinematográficos.

Conclusão

Retratar o personagem Jesus em uma tela plana é algo que extrapola as mais modernas técnicas cinematográficas. Nada que se diga ou se represente visualmente conseguirá se aproximar da realidade absoluta. Contudo, os filmes podem servir de inspiração adicional e motivação para conectar nossos pensamentos e imaginação à dimensão transcendente e espiritual da Sua vida e ensinamentos.

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