A História dos Filmes Cristãos

Produzir filmes para fins religiosos não é uma estratégia nova. Isso tem sido feito desde que os filmes foram inventados. Nesse artigo apresento um resumo histórico de como as igrejas se apropriaram da tecnologia cinematográfica e concluo com duas experiências mais recentes e bem sucedidas.    

Historicamente as igrejas cristãs têm feito um uso bem sucedido dos filmes. As primeiras iniciativas foram empreendidas por evangelistas, logo após o surgimento do cinema em 1895.  No início do século 20, Herbert Booth, filho dos fundadores do Exército de Salvação, a fim de atrair as pessoas para os cultos de domingo a noite e reuniões de oração, experimentou o uso de slides e filmes.  Em 1900, Booth, produziu um programa multimídia intitulado Soldados da Cruz, que combinava curtas-metragens com slides, hinos, sermões e orações (Johnston, 2006).

Em 1939, o Reverendo James K. Friedrich fundou a Cathedral Films com o principal objetivo de ensinar as narrativas bíblicas através de filmes educativos e cristãos.  Juntamente com os filmes,  outros conteúdos eram produzidos que serviam de apoio para ensinar as igrejas a como utilizar os filmes para ampliar a compreensão de temas bíblicos (Lindvall, 2011).  

Promoção de um dos primeiros filmes da Cathedral Films

Em 1950, ocorreu um dos exemplos mais marcantes no uso dos filmes para o evangelismo. Nesse período, Billy Graham utilizou as igrejas como salas de exibição dos filmes da sua produtora, a World Wide Pictures (WWP).  Após essa experiência bem sucedida, Billy Graham reconheceu a necessidade de mostrar os filmes onde eles pudessem ser vistos por pessoas que normalmente não iriam a um culto na igreja.

O método principal de Billy Graham consistia em motivar as igrejas a convencer as salas de cinemas regionais a exibir os filmes, com o compromisso da audiência garantida.  A partir disso, os membros vendiam ou doavam os bilhetes de entrada aos seus amigos. No dia da exibição, do lado de fora dos cinemas, uma equipe de conselheiros se oferecia para orar com qualquer pessoa que buscasse orientação espiritual depois de ver o filme. Nas semanas seguintes, uma cruzada evangelística chegava na cidade e as pessoas que assistiram o filme eram convidadas para participar. Utilizando essa estratégia a WWP foi capaz de cobrir cinemas de todos os Estados Unidos (Lindvall, 2011).

Billy Graham em visita o set de filmagem World Wide Pictures, 1964. Fonte: https://billygraham.org/

Filmes como Plantadores de Semente

Na estratégia de Graham, os filmes eram apenas uma parte do processo. Eles foram intencionalmente chamados de “plantadores de sementes”. Os filmes não eram usados com o objetivo de convencer ou obrigar a audiência a se converter. A colheita das almas seria deixada para as cruzadas evangelísticas. Os filmes funcionavam como parábolas para os sermões que viriam em seguida com o evangelismo (Lindvall, 2011 p.135).

Nas décadas seguintes, a indústria do cinema e o comportamento da sociedade mudou bastante e isso tornou o método de Graham ultrapassado para estratégias de evangelismo, principalmente nas grandes cidades. Ainda assim, os filmes continuam sendo úteis de outras formas, como para educação cristã das novas gerações ou para a “alimentação do rebanho”.  

Em 1969, a Gateway Films, uma companhia norte-americana, desenvolveu o nicho da indústria de filmes cristãos. Eles perceberam a oportunidade de exibição dos filmes cristãos dentro das igrejas, em concílios pastorais, classes de educação de adultos e escolas dominicais. Mais tarde, também desenvolveram a revista Christian History que começou com a publicação de um guia de estudo de dezesseis páginas para acompanhar o filme John Huss (1977), um filme produzido pela Faith for Today, um ministério de apoio da igreja Adventista do Sétimo Dia. Essa revista tinha como objetivo ensinar e enriquecer historicamente o conteúdo apresentado nos filmes (Lindvall, 2011).

Nas décadas seguintes surgiram vários estúdios, produtores e distribuidores de filmes cristãos vinculados ou não a organizações religiosas. Até o momento, a utilização dos filmes continua sendo uma estratégia bem sucedida para muitas igrejas. Algumas tem investido na produção de filmes genuinamente cristãos enquanto outras re-significam as produções  existentes de Hollywood.  A seguir serão apresentados dois exemplos de como a Igreja Adventista têm feito uso dessas possibilidades. 

Os Adventistas e o uso dos filmes

Os adventistas têm usado os filmes de várias maneiras para fins redentivos.  Eles tem aproveitado as oportunidades oferecidas por algumas produções de Hollywood, mas também tem criados seus próprios filmes. A seguir serão apresentados dois exemplos: o primeiro destaca como os adventistas utilizaram a oportunidade do filme Até o Último Homem (2016) para promover maior conhecimento sobre a igreja, o segundo revela o uso estratégico de um dos filmes produzidos pelos Adventistas na América do Sul. 

Até o Último Homem (2016). Um filme de guerra com valores espirituais.

Até o Último Homem é considerado um filme de guerra e drama biográfico, mas com significativa ênfase em assuntos morais e religiosos. O filme foi dirigido por Mel Gibson e escrito por Andrew Knight e Robert Schenkkan baseado no documentário The Conscientious Objector de 2004 (Barnes, 2016).

O filme apresenta a história de Desmond Doss, um médico de confissão religiosa adventista que atuou no exército americano durante a batalha de Okinawa na Segunda Guerra Mundial. Doss tornou-se famoso por participar de uma guerra sem pegar em armas e por resgatar 75 soldados em batalha. Embora o filme apresente várias cenas de violência, ele também destaca conceitos religiosos conhecidos entre os cristãos como: a fidelidade aos princípios bíblicos, a atitude de perdão para com os oponentes, o hábito da oração, a empatia com o sofrimento alheio, entre outros.

Especialmente para os adventistas, o filme tem um forte apelo emocional. Doss e sua fidelidade aos preceitos bíblicos provavelmente levaram os adventistas a se identificarem com o personagem e a perceber que o filme tem um alto conteúdo espiritual porque os inspira e motiva a permanecerem fiéis aos princípios distintos, defendidos pelo adventismo.

A mobilização dos adventistas

Os adventistas viram no Até o Último Homem uma oportunidade única para divulgarem sua fé. Em várias partes do mundo eles se mobilizaram para criar iniciativas que promovessem maior conhecimento da igreja para o público em geral.

Na Polônia e em Portugal, os jovens adventistas foram as ruas para distribuir uma edição especial da revista Signs of the Times que falava sobre a vida e as crenças de Desmond Doss. Adicionalmente, eles entregaram cópias do filme para as autoridades locais e  distribuíram ingressos para a audiência do filme assistir à exibição de um documentário sobre a vida de Doss, num auditório da igreja. Como estratégia de relações públicas a igreja entregou a jornalistas e a canais de mídia um pendrive com materiais informacionais sobre Doss e os Adventistas (Lemos, 2016; Kot, 2018).

No Chile, os adventistas usaram a TV da igreja (Nuevo Tiempo) para exibir programas especiais sobre a vida de Doss. Os membros também se mobilizaram na porta dos cinemas e distribuíram gratuitamente  o livro “Desmond Doss: un objetor de conciencia”, depois de cada sessão de exibição (Moraga, 2017)

Fonte: https://www.adventistreview.org/

No Brasil, jovens adventistas foram até as portas dos cinemas em algumas cidades para entregar exemplares de uma história em quadrinhos sobre a vida de Desmond Doss. A igreja também realizou várias transmissões no Youtube sobre o mesmo tema (Lemos, 2017) .

Hacksaw Ridge é uma demonstração de que alguns filmes mesmo não sendo bíblicos, mas com mensagens positivas, podem tocar a emoção e a espiritualidade das pessoas. Em 2018, Natalia Tatarczuch, que vive na Cracóvia,  foi batizada como resultado direto de assistir ao filme. Natalia nunca tinha ouvido falar dos Adventistas do Sétimo Dia, mas estava tão inspirada pela fé e coragem de Doss que, depois de assistir o filme duas vezes, procurou a igreja Adventista do Sétimo Dia (Kot, 2018). 

Christian Ødegård servia nas forças armadas norueguesas quando assistiu o filme Até o Último Homem . Ele mal tinha ouvido falar dos Adventistas do Sétimo Dia, entretanto fico impressionado com maneira como Doss defendeu suas convicções cristãs. Ele ficou fascinado que o soldado americano do filme guardasse o sábado e fosse vegetariano. A partir disso, procurou uma igreja adventista, passou a frequentar regularmente e agora é um membro regular (Tjeransen, 2019).

Libertos – o preço da vida

Em 2017, os Adventistas na América do Sul produziram o filme “Libertos – o preço da vida” com o objetivo de atrair pessoas para uma semana especial de evangelismo em suas mais de 28 mil igrejas.

Poster do Filme. Fonte: Feliz7Play.com

O filme Libertos usa uma analogia para contar a história do sacrifício de Jesus. Nele, um médico chamado Emanuel tenta resgatar as vítimas de um sequestro, mas acaba morrendo para salvá-las.  O fato de o filme apresentar coerência com a teologia cristã favoreceu a forte adesão das igrejas a participarem dessa estratégia inovadora de evangelismo.

Como parte  inicial da estratégia, os pastores adventistas receberam material informativo e foram treinados para saber como usar o filme. Em seguida, os fiéis adventistas foram motivados convidar os amigos e vizinhos para assistir o filme na igreja, em algum auditório alugado ou em pequenos grupos. Vários conteúdos (impressos e digitais) também foram produzidos para promover a exibição do filme. 

As igrejas ficaram livres para definir a melhor maneira de usar o filme. Algumas  exibiam o filme no primeiro dia do evento e em seguida convidavam a audiência para continuar assistindo uma série de palestras com o mesmo tema nos dias seguintes. Outras igrejas preferiram exibir o filme em partes, a fim de manter a audiência interessada nas reuniões. Para os espectadores não-adventistas adultos era entregue uma revista com estudos bíblicos e para as crianças a estória do filme no formato de história em quadrinhos.  

Os adventistas também distribuíram cópias do filme em DVD para várias autoridades governamentais e pais de alunos da rede de escolas adventista. O filme recebeu uma grande repercussão na imprensa devido ao personagem principal ser um ator reconhecido em outros filmes. Escola públicas e igrejas de outras denominações cristãs solicitaram autorização para exibirem o filme.

Além da mobilização presencial, a igreja desenvolveu uma estratégia paralela no mundo digital. Todo conteúdo promocional, sermões, estudos bíblicos e o próprio filme ficaram disponíveis para serem assistidos e baixados gratuitamente. No Youtube, o filme em português e espanhol alcançou mais de 10 milhões de visualizações.

O periódico oficial de notícias da igreja registrou a história de Michael que assistiu ao filme em uma igreja e, após do sermão do pastor, decidiu fazer parte da igreja (Marques, 2018).

Conclusão

Em 1879, Ellen White, pioneira adventista,  se referiu aos livros impressos como pregadores silenciosos. Ela sugeriu que, lugares onde pregadores não conseguiriam chegar, as pessoas poderiam aprender com o auxílio das publicações (White, 1879). Na atualidade, os livros continuam com essa função, mas não estão mais sozinhos. Os filmes podem ser um poderoso aliado  no cumprimento do mesmo propósito. Hoje em dia, muitas pessoas não irão as igrejas para assistir filmes, porém os filmes podem ir até  elas como pregadores silenciosos, usados por Deus, para despertar sensibilidades espirituais adormecidas e motivá-las a se conectarem com as igrejas.

REFERÊNCIAS

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Tatum, W.B. (2004). Jesus at the Movies: A guide to the first hundred years 3rd edition. Farmington,               MN: Polebridge Press. ISBN-13: 978-1598151169

Lindvall, T. & Quicke, A. (2011). Celluloid sermons: The emergence of the Christian film industry,     1930-1986. New York: New York University Press. ISBN-13: 978-0814753248

Horner, G. (2010). Meaning at the Movies: Becoming a Discerning Viewer. Crossway. ISBN: 978-1-4335-2401-1

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