Dopamina Digital: a tecnologia que pode te viciar

Introdução

Em um mundo cada vez mais tecnológico, onde o consumo de mídia digital está presente em quase todos os aspectos de nossas vidas, é essencial compreender como os conteúdos e tecnologias podem impactar positivamente e negativamente nossa saúde mental e emocional.

Nesta análise, exploraremos como a mídia e a tecnologia estimulam a produção de dopamina. Ao final, esperamos oferecer insights sobre como lidar com o estímulo de dopamina de maneira saudável e consciente.

O que é a dopamina?

A dopamina é um neurotransmissor essencial para nosso cérebro. Ela ajuda em várias funções como pensamento, raciocínio, sono, humor, atenção, motivação nos sistemas de busca e recompensa, além de desempenhar um papel importante nas nossas lembranças de longo prazo. Ela é fundamental para a sensação de prazer em certas atividades como comer, jogar, usar o celular e as redes sociais[1].

Como funciona a dopamina?

Quando uma pessoa tem uma atividade prazerosa, a dopamina é estimulada em seu cérebro para repetir a ação. Por exemplo, ao jogar um videogame, um jogador pode sentir excitação durante momentos cruciais do jogo, como lutas contra os inimigos ou para alcançar novos níveis. Esses momentos intensos permitem que os neurônios dopaminérgicos aumentem sua atividade, gerando uma sensação de recompensa que incentiva o jogador a continuar engajado no jogo, buscando repetidamente esses picos de prazer.

O gráfico abaixo exemplifica como esse ciclo ocorre com as redes sociais. Uma pessoa publica um conteúdo nas redes sociais esperando que alguem curta, comente e compartilhe. Quando o público reage positivamente, ela sente satisfação e prazer. Essa recompensa irá leva-la a produzir mais conteúdos, reiniciando o ciclo.

Ciclo da dopamina

É importante observar que o uso repetitivo e frequente de uma mídia ou tecnologia nem sempre pode ser explicado pela da busca de dopamina. Podem existir outros fatores motivacionais.

Dopamina humor e redes sociais?

Para entender como a dopamina influencia nosso humor ao usar redes sociais, imagine uma escala de 1 a 10. Todo mundo tem um nível basal, digamos 5. Quando você assiste a um vídeo divertido no Instagram, sua dopamina sobe para 6. Terminado o vídeo, ela cai para 4,9, incentivando você a ver mais conteúdo para manter esse nível alto. No entanto, a cada novo vídeo, o pico de dopamina é um pouco menor, e você acaba desanimando gradualmente. Eventualmente, sua linha basal pode cair para 4, deixando você mais desanimado do que estava antes de começar.

Quanto tempo dura os efeitos da dopamina?

Não existe uma dopamina rápida e outra lenta. Mas, esse termo tem sido usado didaticamente para se referir à duração dos efeitos em nosso humor e energia[2].

Duração da dopamina

Dopamina rápida

São picos curtos de dopamina que geram efeitos de curto prazo.

Vivemos em um mundo movido por dopamina rápida. Você pode obter esses picos facilmente e aumentar seus níveis de dopamina em 150% ao consumir assistir séries, jogar no celular, navegar nas redes sociais, ou verificar constantemente as cotações de bitcoin e ações.

Dopamina lenta

A dopamina lenta geralmente exige um investimento de tempo maior e mais prolongado.

Ao contrário da “dopamina rápida”, a dopamina lenta está ligada a recompensas que requerem mais tempo e esforço para serem alcançadas, mas que oferecem benefícios mais duradouros e significativos. Por exemplo: aprender coisas novas, praticar exercícios, ser criativo, socializar, resolver palavras cruzadas e enxergar nos desafios oportunidades para crescer.

Assistir a vídeos educativos, estimulantes ou motivadores tem o potencial de alimentá-lo por um longo tempo. Eles podem acender o desejo de mudar ou criar algo em você, o que, por sua vez, impulsiona o desejo de progredir na vida. O oposto, no entanto, seria emendar centenas de vídeos que oferecem nada além de entretenimento, o que resultaria em uma sensação de vazio no final.

Ler livros gera efeitos que duram bem mais do que o período que usamos para fazer a leitura. Entre outros benefícios, o ato de ler exercita os músculos oculares, estimula a imaginação e ativa grandes áreas do cérebro, quando simulamos os eventos da história na cabeça. Também envolve sua memória, porque você precisa se lembrar dos acontecimentos e dos personagens quando pega o livro para ler.

Antes da era digital, atividades como socializar, ler, cozinhar e jogar jogos de tabuleiro eram práticas comuns que naturalmente proporcionavam dopamina lenta. Era comum ouvir um álbum inteiro de música sem distrações, um verdadeiro ritual que estimulava a dopamina lenta e enriquecia a experiência.

Excesso de dopamina faz mal?

Sabe-se que um excesso prolongado de dopamina provoca alucinações e que a falta durante muito tempo provoca danos irreversíveis no sistema nervoso[3]. A tabela abaixo mostra os sintomas que ocorrem com o excesso de dopamina.

Sintomas de irregularidade de Dopamina

Sintoma principalSintomas acompanhantes
Períodos de on e off não motoresFelicidade inadequada, depressão, tendência suicida, transtorno psicomotor, letargia, transpiração, dor na região abdominal
HipersexualidadeAumento da libido, comportamento sexual violento, ereções penianas, dependência de pornografia
Jogo patológicoGrandes perdas financeiras
AgressãoIntolerância a críticas, explosões de raiva, ciúmes, tendência à violência
PundingArmazenar, empilhar, repetir uma ação comum várias vezes
OutrosCompras compulsivas, comer compulsivo, circulação sem objetivo

Relação com a tecnologia digital:

  1. Períodos de on e off não motores: Estes sintomas podem ser relacionados com a instabilidade emocional que algumas pessoas experimentam devido à interação constante com as redes sociais. A alternância entre sentimentos de euforia ao receber curtidas ou comentários positivos e de depressão ou ansiedade quando há falta de interação ou feedback negativo é comum.
  • Hipersexualidade: O acesso facilitado a conteúdo sexualmente explícito e a possibilidade de interações virtuais com conotação sexual podem levar ao aumento da libido e até ao desenvolvimento de comportamentos problemáticos relacionados à sexualidade.
  • Jogo patológico: O engajamento excessivo em jogos online pode levar a comportamentos de jogo patológico, onde significativas quantias de dinheiro podem ser gastas em jogos ou aplicativos.
  • Agressão: A interação nas redes sociais pode, por vezes, resultar em conflitos interpessoais intensos, gerando respostas agressivas ou ciúmes, especialmente quando as interações são interpretadas de maneira negativa.
  • Pundin: Este comportamento pode ser comparado ao ato de verificar compulsivamente as redes sociais ou e-mails, uma ação repetitiva que pode se tornar um hábito difícil de controlar.
  • Outros:  O marketing direcionado e as compras com um clique em smartphones podem facilitar comportamentos de compra compulsiva. O uso excessivo de smartphones pode também estar associado a hábitos alimentares desordenados e a uma falta de direção ou propósito.

A queda de dopamina é perigosa?

A primeira vez que ouvimos uma música, ela nos parece incrível e parece melhorar a cada vez que a ouvimos. Mas, com o tempo cansamos de ouvi-la.  Isso acontece porque a dopamina liberada aumenta gradativamente até que a satisfação inicial começa a desaparecer. Se, em vez disso, espaçássemos as audições, a música poderia nos agradar por mais tempo. Isso vale para “maratonar séries”: assistir todos os episódios de uma vez pode ser inicialmente prazeroso, mas a alegria é breve. Assim que a série termina, a dopamina cai drasticamente.

Quando a dopamina cai abaixo do nível normal, esse vazio repentino pode nos impulsionar a buscar outros estímulos, como aplicativos de celular, jogos, outras séries ou programas de TV. Esse ciclo contínuo de buscar a próxima dose de dopamina pode nos viciar.

A dopamina e a pornografia

O vício em pornografia está diretamente relacionado à dopamina. A atração não se deve tanto aos estímulos sexuais, mas ao impacto que tem em nossa mente, alterando nosso estado de consciência e elevando-nos a um estado de excitação pela liberação de dopamina [4].

Pornografia na Internet é viciante e muitas pessoas acabam em um ciclo vicioso com ela.

A pornografia provoca uma inundação de dopamina no cérebro. Com o acesso ilimitado à pornografia online, as pessoas podem manter altos níveis de dopamina por horas, recarregando rapidamente sempre que estes começam a diminuir[5].

Uma pessoa viciada em pornografia apresenta um padrão de uma pessoa com dependência de substâncias químicas, pois ela recebe um fluxo intenso de dopamina, causando sensações de prazer e recompensa.

Diversos estudos internacionais têm apontado as consequências sérias do vício em pornografia.

Empilhamento de dopamina

Você já viu alguém assistindo vídeos no YouTube, jogando videogame e comendo ao mesmo tempo? Nesses casos, a pessoa está acumulando ou empilhando várias fontes de dopamina ao mesmo tempo. Pedir para essa pessoa assistir a um filme clássico como Casablanca, sem outras distrações, será uma tortura, embora essa produção foi extremamente envolvente para quem vivia em 1942.

Essa prática de acumular várias fontes de dopamina pode ser problemática porque não há limite natural para isso, o que leva a um ciclo de necessidade constante de mais estímulos. Isso não só aumenta a probabilidade de comportamentos arriscados, como usar o celular ao dirigir, mas também torna mais difícil apreciar a atividade original.

Redes sociais e jogos: os ladrões de dopamina

As plataformas de redes sociais e jogos são projetadas para desencadear a liberação de altas quantidades de dopamina em crianças e adolescentes. Os adultos são, teoricamente, mais resistentes aos estímulos. Eles têm maior capacidade de pensar racionalmente, de demonstrar força de vontade e escolher a dopamina lenta em vez da dopamina rápida. Apesar disso, muitos ainda são vítimas dos ladrões de dopamina.

Empresas de Internet, jogos e mídia estudam psicologia e biologia para maximizar a liberação de dopamina rápida através de cores, sons e animações. Elas descobriram como converter a dopamina em dinheiro. Por exemplo, um desenvolvedor de jogos pode lucrar de três formas: (1) através do tempo que você passa nele, gerando receita publicitária; (2) incentivando você a comprar atualizações; e (3) aumentando a base de usuários para elevar o valor do app.

Ressaca de dopamina

A ressaca de dopamina, um fenômeno comum, surge do contraste entre altas doses de dopamina e sua subsequente queda[6]. Durante os finais de semana, muitas pessoas se entregam a maratonas de séries, redes sociais e jogos, mas enfrentam a monotonia do trabalho na segunda-feira, o que leva a uma queda de dopamina[7].

Para combater essa queda, muitos recorrem ao uso contínuo de mídias sociais e jogos, buscando um alívio temporário ou uma fuga. Alguns fazem isso de forma controlada e estratégica, enquanto outros podem desenvolver padrões de uso excessivo, resultando em desânimo, tristeza, ansiedade ou depressão[8].

O Celular e a dopamina

Um estudo investigou como o uso de smartphones, especialmente os apps de redes sociais, afeta a dopamina no nosso cérebro. Observando o dia a dia de 22 pessoas saudáveis e usando exames de imagem cerebral, os pesquisadores notaram que quem usa mais esses apps tem uma produção menor de dopamina numa área do cérebro chamada putâmen. Testes específicos confirmaram que isso realmente acontece mais com os apps de redes sociais do que com outros tipos de apps. Isso mostra bem como nosso engajamento nas redes sociais pode estar mexendo com a química do nosso cérebro.[9].

A Dra. Anna Lembke, psiquiatra americana que é chefe da Stanford Addiction Medicine Dual Diagnosis Clinic na Universidade de Stanford, acredita que “o smartphone é a agulha hipodérmica dos tempos modernos, fornecendo incessantemente dopamina digital para uma geração plugada. Se você ainda não descobriu sua droga preferida, ela logo estará em um site perto de você”[10].

A “Mágia do Talvez”

Robert Sapolsky, professor de Stanford, realizou experimentos em macacos e concluiu que a dopamina não tem a ver apenas com o prazer, também tem a ver com a antecipação do prazer. Tem a ver com a busca da felicidade, em vez de ter a ver com a felicidade em si. [11]

Por exemplo, o pensamento de que talvez tenha chegado alguma mensagem no celular e que precisamos verificar, pode provocar uma elevação intensa de dopamina. Esse fenômeno é chamado de “a magia do talvez”, refletindo a possibilidade (antecipação) de receber algo gratificante.

Essa dopamina rapidamente se esgota após a verificação do telefone, levando a um ciclo de repetida busca por nova dopamina, incentivando a pessoa a verificar constantemente o dispositivo[12].

Dopamina e cristianismo

Em meio à enxurrada de estímulos e gratificações instantâneas proporcionadas pelos dispositivos e plataformas digitais, somos chamados a buscar um equilíbrio que preserve nossa saúde mental e espiritual. Como cristãos, devemos lembrar da importância de momentos de silêncio e reflexão, de conectar-nos com Deus e com os outros de maneira significativa e genuína. Em vez de sermos escravos das tecnologias, podemos usá-las com sabedoria, sempre buscando que nossas ações e escolhas reflitam os valores do Reino de Deus, promovendo a paz, o amor e a verdadeira alegria que só podem ser encontrados em Cristo.

Conclusão

A interação entre dopamina, mídia e tecnologia é complexa e profundamente entrelaçada. Em uma era dominada pelo imediatismo digital, é crucial entender como as plataformas de mídia e tecnologia são projetadas para manipular nossos circuitos de dopamina. Elas ganham dinheiro sobre nossa busca por gratificação instantânea, muitas vezes à custa de nosso bem-estar a longo prazo.

Para mitigar os efeitos negativos dessa dinâmica, é importante adotar uma abordagem crítica e consciente no uso da tecnologia. Devemos esforçar-nos para balancear o consumo de mídia rápida, que oferece picos de dopamina de curta duração, com atividades que proporcionam recompensas mais duradouras e significativas. Isso inclui investir tempo em hobbies, meditação, interações sociais face a face, e educação contínua, que não só enriquecem nossa vida como também promovem uma liberação mais equilibrada de dopamina.


Dicas de como lidar ou dominar a dopamina[13]

  1. Se você não dominar sua dopamina, ela vai dominar você.
  2. Elimine imediatamente o hábito de acumular atividades e cultive a disciplina de se dedicar a uma de cada vez. Por exemplo, assista a um programa de TV sem distrações, concentre-se em passar um tempo de qualidade com seus filhos ou simplesmente dirija sem pegar no telefone e sem ouvir podcasts.
  3. Elimine uma fonte de dopamina de cada vez: quando assistir a uma série, guarde o celular; desligue a televisão que ninguém está vendo, e assim por diante.
  4. Entre a abstinência e o jejum. Para quem deseja tentar o método da abstinência ou testar uma estratégia intermediária – retirar metade das fontes de dopamina rápida da rotina –, uma dica é substituir o que foi eliminado por fontes de dopamina lenta. Ler livros, resolver palavras cruzadas, socializar, retomar um hobby esquecido ou algo semelhante pode facilitar bastante essa transição. Não é um “detox de dopamina”. A dopamina não é uma toxina. O cérebro apenas desenvolveu o hábito de satisfazer aos desejos de dopamina rapidamente, e hábitos são algo a que nosso cérebro tende a se apegar, pois é altamente eficiente em termos de economia energética.
  5. Uma ótima estratégia é evitar começar o dia verificando o celular, pois a dopamina rápida que você provavelmente receber vai reduzir sua “fome” por dopamina lenta. De acordo com a Dra. Nikole Benders-Hadi, psiquiatra especializada em saúde mental, a transição abrupta do estado de sono para a enxurrada de informações que o celular traz também tende a impactar sua capacidade de concentração e de priorização pelo resto do dia. Faça algumas tentativas e note a diferença que faz essa mudança de hábito.
  6. Outra sugestão é desativar as notificações do celular. Para alguém com desejo de dopamina, as notificações podem ser como um pacote de batata chips diante de uma pessoa com fome. Assim que você vê uma única notificação (ou come uma única batatinha), desenvolve uma vontade incontrolável de conferir o celular outra vez dali a instantes (ou comer mais batatas chips).

[1] A RESEARCH ON SOCIAL MEDIA ADDICTION AND DOPAMINE DRIVEN FEEDBACK. DOI: 10.30798/makuiibf.435845 – https://orcid.org/0000-0002-5398-4571

[2] JP Phillips, David. Seis substâncias para viver bem: Descubra como ativar os hormônios que nos trazem energia, equilíbrio, satisfação e autoconfiança (Portuguese Edition). Sextante. Edição do Kindle.

[3] A RESEARCH ON SOCIAL MEDIA ADDICTION AND DOPAMINE DRIVEN FEEDBACK. DOI: 10.30798/makuiibf.435845 – https://orcid.org/0000-0002-5398-4571

[4] How We Chase Dopamine: Porn, Social Media, and Alcohol

[5] https://inpaonline.com.br/vicio-em-pornografia-2/?doing_wp_cron=1715269335.4546298980712890625000

[6] https://www.pathfinderwestsussex.org.uk/news/feeling-hangxious

[7] https://dataismo.com.br/digital-hangover-ressaca-digital/

[8] https://www.ana.net/blogs/show/id/mm-blog-2020-01-social-media-hangover

[9] https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S258900422100465X

[10] Lembke, Dra. Anna (2022). Nação dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. Vestígio Editora. Edição do Kindle.

[11] Dopamine Jackpot! Sapolsky on the Science of Pleasure.  https://www.youtube.com/watch?v=axrywDP9Ii0

[12] KOTLER, S. (2017), How We Chase Dopamine: Porn, Social Media and Alcohol, Retrieved from (https://www.reddit.com/r/GetMotivated/comments/5ve286/video_porn_social_media_alcohol_and_the_chase_of), on (2018 Jun 01).

[13] JP Phillips, David. Seis substâncias para viver bem: Descubra como ativar os hormônios que nos trazem energia, equilíbrio, satisfação e autoconfiança (Portuguese Edition). Sextante. Edição do Kindle.

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