Imagine entrar na internet e descobrir que grande parte do que você vê, posts, comentários e notícias não foi criada por pessoas, mas por robôs e programas de Inteligência Artificial (IA). Essa é a ideia central da chamada Teoria da Morte da Internet (em inglês, Dead Internet Theory).
O que é
A Teoria da Morte da Internet surgiu no final dos anos 2010 como uma especulação. A teoria propunha que a internet deixou de ser um espaço dominado por pessoas reais e conteúdo autêntico, tornando-se um ambiente majoritariamente artificial.
Bots (perfis automatizados que simulam pessoas) estariam por trás de grande parte dos cliques, curtidas, comentários e até da geração de posts que vemos online. Esses bots conseguiam inundar a rede com conteúdo fabricado em massa, de forma que o que consumimos online seria amplamente filtrado e manipulado por máquinas, e não fruto de interações humanas genuínas.
Os defensores da teoria levavam a ideia além, alegando que tudo isso seria resultado de um esforço coordenado por governos e grandes empresas. Os EUA e corporações de tecnologia intencionalmente substituíam pessoas por bots, com o objetivo de controlar narrativas, influenciar opiniões, eleições e manipular o público. Para esses teóricos, a “morte” da internet teria ocorrido por volta de 2016, quando as interações entre robôs teriam ultrapassado de longe a comunicação humana real.
Na verdade, não há evidências concretas de uma conspiração nesse nível. No entanto, alguns fatos apontados pela teoria chamam atenção por serem parcialmente verdadeiros. De fato, o tráfego automatizado e os conteúdos produzidos por IA aumentaram muito nos últimos anos. Por isso, essa teoria, antes conspiratória, ganhou destaque novamente.

A internet está “menos humana”?
Desde o lançamento de ferramentas de IA, como o ChatGPT e diversos geradores de imagens e vídeos, vivemos uma explosão de conteúdo gerado por inteligência artificial. Textos, imagens, notícias, vídeos, postagens em redes sociais, comentários e até perfis inteiros já podem ser produzidos por IAs, muitas vezes sem que o usuário perceba a diferença.
O relatório Imperva Threat Research de 2024 revela que quase 50% do tráfego da Internet provém de fontes não humanas e os bots maliciosos, representam agora quase um terço de todo o tráfego. Esses bots maliciosos agora imitam o comportamento humano de tal forma que os torna difíceis de detectar e prevenir[1].
Por isso, muitas daquelas curtidas e visualizações nas suas redes sociais podem ser falsas, feitas por robôs que imitam usuários.
Isso significa que, em alguns anos, apenas uma fração mínima dos textos, imagens ou vídeos disponíveis na web serão criados por pessoas reais.
Já estamos sentindo os efeitos dessa avalanche: usuários do TikTok relatam que um em cada três vídeos que aparecem ali parece ter sido inteiramente produzido por IA, desde o roteiro até a narração e as imagens[2].

Por que há tanto conteúdo de IA circulando?
Parte da resposta está na lógica das redes sociais e dos algoritmos de engajamento:
- Conteúdos chamativos (ainda que falsos ou absurdos) geram cliques, curtidas e compartilhamentos, o que interessa às plataformas de redes sociais.
- É relativamente barato e fácil produzir em massa posts via IA.
- Facebook, Instagram ou TikTok percebem o alto engajamento e entregam esse conteúdo para mais usuários, pois no fim das contas o que importa para elas é manter o público ativo (e vendo anúncios).
- Há indícios de que as próprias plataformas fecham os olhos para essa “infestação” de conteúdo sintético justamente porque ele mantém os usuários engajados.
- Várias empresas vendem serviços de comentários feitos por robôs em posts nas redes sociais, para aumentar o alcance.
- Há também motivações comerciais explícitas. Influenciadores e empresas podem se valer de bots para inflar números e enganar os anunciantes.
- Técnicas de “rage bait” (quando um “conteúdo-isca” é feito para te deixar com raiva) são empregadas para aumentar cliques a qualquer custo. Por trás de muitas polêmicas virais pode haver tanto robôs fomentando a discórdia quanto indivíduos buscando lucro fácil com publicidade derivada do alto tráfego.
Em resumo, a Teoria da Internet Morta ganha força não porque exista necessariamente um “grande manipulador” invisível, mas porque vemos acontecer, na prática, uma internet cada vez mais automatizada e desumanizada.
“A internet pode não estar morta, mas parece cada vez menos humana”[3].
Riscos e impactos
- Percepção da realidade: Jovens em fase de formação e idosos podem ter dificuldade em saber em que informações confiar, já que notícias podem ser fabricadas, fotos podem ser montagens e até vídeos com pessoas falando podem ser falsificações (deepfakes).
- Formação do pensamento crítico: Se boa parte das interações online não são autênticas, os jovens e idosos precisam desenvolver filtros muito mais apurados para discernir conteúdos confiáveis. Sem orientação, eles podem acabar acreditando em boatos e mentiras propagadas por algoritmos.
- Impactos emocionais e relacionais: Muitos jovens já passam horas em redes sociais e chats; se nessas horas estão interagindo com bots que apenas imitam empatia ou reforçam vieses, eles podem ter menos oportunidades de praticar relações humanas reais, com toda a complexidade de emoções e aprendizados que elas envolvem.
- Desenvolvimento espiritual e valores: Em um ambiente digital repleto de vozes falsas ou superficiais, princípios como verdade, honestidade e autenticidade podem se relativizar. Há casos de artigos “teológicos” gerados por IA que parecem confiáveis, mas trazem interpretações distorcidas, com erros doutrinários sutis que passam despercebidos[4].
- Também existe o risco de banalização do sagrado – conteúdos de humor ou sensacionalistas usando figuras religiosas (como as imagens de Jesus manipuladas por IA) podem diluir o respeito ou a seriedade com que os jovens encaram assuntos de fé.
Conclusão
A chamada Teoria da Morte da Internet nos provoca a enxergar uma realidade inquietante: o panorama digital atual realmente difere muito daquele de anos atrás, com uma presença massiva de algoritmos e inteligências artificiais moldando o que vemos e com quem interagimos. A internet, claro, não “morreu” literalmente, ainda existem milhões de pessoas reais compartilhando, aprendendo e se conectando online todos os dias. Contudo, é inegável que a internet de hoje está bem menos orgânica e espontânea do que antigamente.
Pais, educadores e líderes religiosos precisam estar na linha de frente dessa preparação, ajudando crianças, jovens e idosos a desenvolverem os “antídotos” para a desinformação e a desumanização online: pensamento crítico, discernimento ético, sólidos valores morais e espirituais, e valorização das relações reais.
Parte da Teoria da Morte da Internet não se trata mais de delírio conspiratório, mas de um desafio concreto que a sociedade precisa enfrentar.
“Nem tudo que reluz na rede é real, mas a verdade e a autenticidade ainda importam.”
Referências Bibliográficas
- ALMEIDA, Lucas. Por que Cristo em frango assado revive Teoria da Internet Morta no Facebook. Tilt (UOL), São Paulo, 16 jun. 2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2024/06/16/ia-inteligencia-artificial-facebook-teoria-internet-morta.htm. Acesso em: 28 ago. 2025.
- BORDIN, Ana Clara Boniatti. A Teoria da Internet Morta: estamos cercados por bots? PET-SI/UFSM, Santa Maria, 07 mar. 2025. Disponível em: https://www.ufsm.br/pet/sistemas-de-informacao/2025/03/07/a-teoria-da-internet-morta-estamos-cercados-por-bots. Acesso em: 28 ago. 2025.
- EUROPOL. Facing reality? Law enforcement and the challenge of deepfakes. Haia, 2023. Disponível em: https://www.europol.europa.eu/cms/sites/default/files/documents/Europol_Innovation_Lab_Facing_Reality_Law_Enforcement_And_The_Challenge_Of_Deepfakes.pdf. Acesso em: 28 ago. 2025.
- GROTHAUS, Michael. A teoria da “internet morta” vai virar realidade? Não sabemos, mas há sinais. Fast Company Brasil, São Paulo, 24 abr. 2025. Disponível em: https://fastcompanybrasil.com/tech/a-teoria-da-internet-morta-vai-virar-realidade-nao-sabemos-mas-ha-sinais/. Acesso em: 28 ago. 2025.
- ILLUMINATIPIRATE. Dead Internet Theory: Most of the Internet is Fake. Agora Road’s Macintosh Cafe(fórum online), 05 jan. 2021. Disponível em: https://forum.agoraroad.com/index.php?threads/dead-internet-theory-most-of-the-internet-is-fake.3011/. Acesso em: 28 ago. 2025.
- LEMOS, Ronaldo. A internet morreu e esquecemos de enterrar? Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 abr. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2024/04/a-internet-morreu-e-esquecemos-de-enterrar.shtml. Acesso em: 28 ago. 2025.
- LENNOX, John. Artificial Intelligence and Its Impacts on Humanity. C.S. Lewis Institute, Washington, DC, 13 fev. 2024. Disponível em: https://www.cslewisinstitute.org/resources/artificial-intelligence-and-its-impacts/. Acesso em: 28 ago. 2025.
- LOPES, André. Teoria da “internet morta” ganha nova força com avalanche de conteúdos gerados por IA. Exame, São Paulo, 12 maio 2025. Disponível em: https://exame.com/inteligencia-artificial/teoria-da-internet-morta-ganha-nova-forca-com-avalanche-de-conteudos-gerados-por-ia/. Acesso em: 28 ago. 2025.
- STATISTA. How Much Internet Traffic Is Generated by Bots? [S.l.], 2024. Disponível em: https://www.statista.com/chart/32339/share-of-web-traffic-caused-by-bots/. Acesso em: 28 ago. 2025.
- https://www.imperva.com/resources/resource-library/reports/2024-bad-bot-report/
[1] https://www.imperva.com/resources/resource-library/reports/2024-bad-bot-report/
[2] https://exame.com/inteligencia-artificial/teoria-da-internet-morta-ganha-nova-forca-com-avalanche-de-conteudos-gerados-por-ia/
[3] https://exame.com/inteligencia-artificial/teoria-da-internet-morta-ganha-nova-forca-com-avalanche-de-conteudos-gerados-por-ia/
[4] https://www.cvglobal.co/pt/articles/digital-discernment-in-the-world-of-ai




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